Sua avó e sua mãe sempre cozinharam em casa, você aprendeu com elas. Adora cozinhar, ama receber os amigos em casa. Participa de confrarias, viaja o mundo inteiro, conhece os melhores restaurantes daqui e lá de fora, tem uma cozinha fantástica. SEMPRE comprou utensílios de cozinha pra casa, empilha livros de culinária, é sensível, adora e coleciona CDs, tem uma Nikon/Canon e seu hobbie é fotografar. Você tem umas economias e sempre achou um charme ter um bistrô “despretensioso” para receber os amigos, um “plano B” de vida.
Seus amigos te encorajam, você já sabe como vai ser a decoração, vai escolher pessoalmente as músicas e sair da cozinha de vez em quando para sentar com os convidados. Todos se conhecerão pelos nomes e tradições serão criadas e carregadas por gerações. Histórias incríveis e inimagináveis.
Pois é, este texto é a pulga atrás da orelha que faltava para você NÃO seguir seus sonhos, NÃO abrir um restaurante. Pare no sonho. Sonhe com seu restaurante e deixe ele lá, no mundo do imaginário.
Isso mesmo, faça-nos um favor e não seja como (ao contrário do que você pensa) 80% dos donos de bares/restaurantes do país que assim como você acharam que poderiam ter um restaurante e quebraram, faliram com menos de 2 anos de existência. Acreditem, isto é um dado estatístico. Segundo a ABRASEL (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), de todos os bares e restaurantes que surgem no Brasil a cada ano, 80% quebram, fecham, desistem ou vão a falência antes de completarem 2 anos. Sabe porquê? Porque a maioria dos donos pensa assim: eles acham que ter tantos indícios de restauranteur é o suficiente pra ser dono de um NEGÓCIO. Bar, restaurante é um NEGÓCIO, não é um entretenimento, não dá pra ser hobbie.
Não se fica rico sendo dono de restaurante. Além de não ficar rico, sua vida vai virar um inferno. Porque os horários de funcionamento para o público de um restaurante, não passam nem perto do horário em que você vai ter de estar lá ou que o gerente-genial-ninja-imaginário (que custaria um milhão de reais em barras de ouro, que valem mais que dinheiro/ mês) teria que trabalhar. Fornecedores chegam cedo, pré-preparo requer antecedência, e cagadas acontecem.
Tenho inclusive como crença que Murphy escreveu a famosa lei depois de abrir um restaurante. Tudo o que pode dar errado, dará errado. E se der certo alguém vai reclamar do sal. Além de a sua vida e seus horários passarem a ser infernais, pessoas infernais vão entrar na sua vida. Pessoas infernais que trabalham pra você. Pessoas infernais pra quem você trabalha.
Hierarquia, egolatria, teimosia, alergia. Sim, alergia. Alguém vai ter uma e alegar que a culpa é sua. Que jantou e intoxicou. Seus funcionários possivelmente caíram no mundo da gastronomia por falta de opção. Ou alguém tem vocação pra caixa?
Para garçom você pode até encontrar candidatos iluminados, que adorem servir e atender pessoas de humor variado e serem mal remunerados por isso. Salário de garçom é fixo e aremuneração variável gira em torno dos 10%, o que parece uma coisa simples, mas se você não souber gerenciar pode ter uma ação trabalhista da ‘classe’. Aí, amigo, mesmo se vender 5 restaurantes não vai conseguir pagar.
A contratação em si já é sacal. Qual o método e critério de avaliação para contratar alguém se você não era do mercado? Checa referências? Se fosse bom, estaria empregado, pode ter certeza.
Se a contratação não é um problema, o compromisso é. Vá se acostumando com os filhos que passaram mal, os acidentes de moto, as greves de ônibus, as reuniões na escola da “Thablytha” e todas as milhares de justificativas para faltas que acontecem exatamente naquele dia que o seu estabelecimento resolveu encher.
Controlar estoque você sabe? Sabe comprar bem? Sabe o que comprar? Sabe ver a diferença de um carre de cordeiro de 90 dinheiros o quilo para o carre de 60? Aposto que o seu cliente não sabe a diferença, mas vai achar uma bosta se você colocar o mais barato no prato dele.
O seu chef de cozinha se formou no Brasil e acabou de voltar de um estágio que fez em NY/França/Espanha/Londres? Desculpe te dizer, ele ainda não é chef. Da mesma maneira que um recém formado em jornalismo não sai da faculdade como editor. Existe hoje muito chef pra pouco restaurante. Não se iluda com o estágio internacional do garoto, isso na prática não quer dizer nada. Mais vale ter perdido a ponta de um dedo na faca. E uma dica, se ele chegar com dólmã preta pra trabalhar, mande-o embora, ele talvez nunca tenha entrado numa cozinha e não deve saber que trabalhar na pauleira numa cozinha com 50 graus de temperatura fica insuportável se o critério empregado para escolher a roupa for só “ser bonitinha” (preta).
Se até esta parte do texto você ainda está convicto, e vai abrir um restaurante porque seus amigos são especiais, e com você vai ser diferente, vai aqui mais uma dica: amigos são os piores clientes. Amigo se sente no direito de dar palpite em tudo, é mais difícil de agradar, é carente, gosta de dar carteirada, não respeita fila, fala alto e costuma não pagar a conta integralmente.
Se ainda quiser abrir o seu restaurante, vai minha última dica: compre uma luva de borracha daquelas compridas que vai ate o ombro. Você vai precisar desentupir a sua caixa de gordura com mais frequencia do que imagina. Ela sempre entope no meio da noite. Nem imagina o que seja caixa de gordura? Ai, ai, ai.
Ah… E não se esqueça das redes sociais. Ter um site não é mais novidade: seja eficiente no facebook, twitter, foursquare, instagram, etc etc. E lembre-se, site de compras coletivas não vão te tirar do buraco.
Dizia um tio que as formas mais eficientes de se perder dinheiro eram: ter uma amante argentina ou ter um cavalo no Jockey Club. Acrescento sem pestanejar: abrir um restaurante.
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