Achei muito interessante que depois da minha palestra "O peso das dietas" no TEDxWomenJardins, em dezembro, uma das coisas que mais escutei foi "Sophie, fiquei tão feliz com a notícia sobre a manteiga! Agora manteiga não é ruim, podemos comer!"
Podem comer sim! Não vai dar um infarto fulminante nem ganho de peso express.
A manteiga vem da gordura do leite e esta sendo usada há milhares de anos pelos humanos. Eu sei, algumas décadas atrás as gorduras saturadas - quer dizer, gorduras provindas de animais - foram caracterizadas como as gorduras do mal e as dicas eram evitá-las a qualquer custo.
Pois as gorduras saturadas demonizadas por décadas estão de volta. Este foi um dos maiores erros da ciência da nutrição.
No final de 2013 uma pesquisa conduzida pelo Dr. Assem Malhotra e publicada no British Medical Journal (BMJ) mostrou que esta fobia da gordura saturada era um mito: a gordura saturada não é ruim para o coração (1). A gordura não é o inimigo quando se trata de doença cardiovascular, ganho de peso, saúde do cérebro e tantas outras questões.
Uma outra pesquisa, publicada em março de 2014 na revista Annals of Internal Medicine, mostrou que as pessoas que consumiram mais gordura saturada não tinham um maior risco de doença cardíaca, acidente vascular cerebral ou qualquer outra forma de doença cardiovascular (2). "Minha opinião sobre isso é que não devemos nos preocupar com a gordura saturada em nossas dietas", disse o Dr. Rajiv Chowdhury, o principal autor do novo estudo e epidemiologista cardiovascular do departamento de saúde pública na Universidade Cambridge.
Como comer para prevenir doenças cardiovasculares então? Os especialistas recomendam que as pessoas com risco de doenças cardiovasculares sigam uma dieta mediterrânea. Um grande ensaio clínico no ano passado mostrou que uma dieta mediterrânea, com mais nozes e azeite de oliva extra-virgem, reduziu ataques cardíacos e derrames em comparação com uma dieta de baixa gordura com mais carboidratos (3).
Mais interessante ainda, o Dr. Malhotra afirma no seu artigo que "paradoxalmente" os produtos com menor teor de gordura aumentaram o risco de ter doenças cardiovasculares.
Vou explicar!
Esta guerra contra a gordura fez com que a indústria desenvolvesse novos alimentos, os famosos light/diet, para evitar ingestão de gordura. Só que quando você tira a gordura de um alimento, ele deixa de ser gostoso! O gosto fica parecido com papelão, não é? Agora, como fazer para dar um gosto bom a esses alimentos e, ao final, vendê-los? Colocando mais açúcares, amido modificado, xarope para dar gosto e aspecto mais interessante. A troca foi muito bem aceita porque deixou o alimento com menos calorias: 1g de gordura vale 9 calorias e 1g de carboidrato vale 4! Assim fomos evitando gordura e acrescentando carboidratos na nossa alimentação, tudo com a boa consciência de comer menos calorias.
Quando você começa a ler os rótulos, vê rapidamente a quantidade de açúcar que é adicionada em praticamente tudo nos chamados alimentos saudáveis, como iogurte, barra de cereal, molho de tomate, muitos sucos de frutas e até mesmo alguns molhos para salada.
E o açúcar faz mal?
Uma publicação de fevereiro de 2014 no Journal of the American Medical Association (4) mostrou que o açúcar ingerido é ligado a um risco maior de ataque cardíaco e de demência, bem como outras doenças inflamatórias, como resistência à insulina e diabetes tipo 2, obesidade, problemas de fígado, artrite, redução dos níveis de colesterol HDL, aumento de triglicérides e câncer.
Mas é importante não se assustar e passar a comer gordura e cortar todo açúcar. Não é bem assim que devemos comer. É importante moderação em tudo, sem demonizar nenhum alimento!
O Dr. Frank Hu, professor de nutrição e epidemiologia na Saúde Pública de Harvard, alerta que os resultados não devem ser tomados como uma "luz verde" para comer muita carne, manteiga e outros alimentos ricos em gordura saturada. Só não devemos nos enganar, cortando gorduras e deste jeito comendo mais carboidratos como pão, cereais e outros carboidratos refinados, cujo excesso pode piorar a saúde cardiovascular.
Ele diz ainda: "A abordagem focada nos macronutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas) é ultrapassada... Eu acho que futuras orientações dietéticas vão colocar mais e mais ênfase na comida de verdade ao invés de dar um limite, ou ponto de corte, superior absoluto para certos macronutrientes."
Em março 2014, agora, saiu outro artigo que resume bem a situação questionando a demonização das gorduras saturadas que fazem comer mais carboidratos e gorduras insaturadas não tão saudáveis! (5)
Gostei dessas notícias bem fundamentadas cientificamente! Eu amo comer e a gordura faz parte da gastronomia da minha cultura. Nunca deixei de comer minha manteiga de manhã e os meus filhos cresceram com quiche lorraine feito à base de manteiga na massa, ovos, bacon e creme de leite no recheio.
Gostei porque, afinal, eu sou nutricionista e posso afirmar para os meus pacientes que podem sim comer um pouco de manteiga sem risco de infartar ou ganhar peso. Tenho agora fundamentos científicos e eles podem acreditar em mim!
A gordura também ajuda a manter uma saciedade maior (saciedade é quando não se tem fome) e a evitar um grande pique de insulina após a refeição, que pode alterar seu metabolismo.
Como em tudo, coma moderadamente manteiga, carne ou outros alimentos com gordura saturada. Mas também não exagere, porque as pesquisas também mostraram bem claramente que excesso de gordura não é interessante para saúde. São a moderação, a qualidade e a variedade que fazem bem!
Bon appétit!
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Fontes:
(1) Aseem Malhotra, et al. Observations from the heart: saturated fat is not the major issue, BMJ, October 2013;347:f6340.
(2) Association of Dietary, Circulating, and Supplement Fatty Acids With Coronary Risk: A Systematic Review and Meta-analysis. Ann Intern Med. 2014;160(6):398-406.
(3) Mediterranean diet can cut heart disease study finds
(4) Quanhe Yang, PhD, et al. Added Sugar Intake and Cardiovascular Diseases Mortality Among US Adults, JAMA Intern Med, published online February 03, 2014.
(5) DiNicolantonio JJ. The cardiometabolic consequences of replacing saturated fats with
carbohydrates or Ω-6 polyunsaturated fats: Do the dietary guidelines have it wrong? Open Heart 2014;1:e000032.
(1) Aseem Malhotra, et al. Observations from the heart: saturated fat is not the major issue, BMJ, October 2013;347:f6340.
(2) Association of Dietary, Circulating, and Supplement Fatty Acids With Coronary Risk: A Systematic Review and Meta-analysis. Ann Intern Med. 2014;160(6):398-406.
(3) Mediterranean diet can cut heart disease study finds
(4) Quanhe Yang, PhD, et al. Added Sugar Intake and Cardiovascular Diseases Mortality Among US Adults, JAMA Intern Med, published online February 03, 2014.
(5) DiNicolantonio JJ. The cardiometabolic consequences of replacing saturated fats with
carbohydrates or Ω-6 polyunsaturated fats: Do the dietary guidelines have it wrong? Open Heart 2014;1:e000032.
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Esta informação não se destina a tratar, diagnosticar, curar ou prevenir qualquer doença. Todo o material neste artigo é fornecido apenas para fins educacionais. Procure sempre o aconselhamento do seu médico ou outro profissional de saúde qualificado com qualquer dúvida que tenha a respeito de uma condição médica antes de iniciar qualquer dieta, exercício, ou outro programa de saúde.
Dr. Sophie Deram, Ph.D
Veiculado no Brasil Post
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