quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Cozinheiro é uma profissão, chef é um cargo, comenta Claude Troisgros.

Claude Troisgros

Dono de um império com mais de vinte casas espalhadas pelo mundo, o chef francês Alain Ducasse é categórico ao ser questionado sobre quem cozinha quando ele não está no restaurante: “As mesmas pessoas que cozinham quando eu estou”. De certa forma, algo semelhante acontece agora com Claude Troisgros. Radicado no Rio desde 1979, ano em que começou a trabalhar ao lado de Gaston Lenôtre no Le Pré Catelan, ele já não veste mais o avental com tanta frequência. Há dez anos na TV, o cozinheiro de 59 anos tornou-se um astro dos programas de culinária, o que impulsionou o crescimento do seu grupo, hoje com oito casas e 414 funcionários. Tendo como pilar de sua filosofia o Olympe, endereço de alta gastronomia no Jardim Botânico, ele criou estabelecimentos mais acessíveis, incluindo uma rede de hamburguerias com o DNA Troisgros, justamente para atender o público que conquistou na televisão. A próxima investida, um segundo endereço da CT Boucherie, especializada em carnes, abre as portas na próxima quinta (7), na Barra. Em meio a ajustes na decoração da casa e aos preparativos de um novo programa — ele começa em maio um reality show com adolescentes na cozinha —, Troisgros falou a Veja Rio sobre o cenário gastronômico carioca. Não economizou na pimenta ao discorrer sobre o Guia Michelin e as blitze da vigilância sanitária nos restaurantes. Confira as opiniões do cozinheiro na entrevista ao lado.
Guia Michelin
“Eles colocaram o Brasil muito para baixo. Fiquei indignado. Na opinião deles, não temos nenhum três-estrelas? E apenas um restaurante com duas estrelas? Já estive em três­estrelas franceses que ficam aquém de restaurantes nossos do primeiro time. Fora que eles ignoraram a Kátia (Barbosa, do Aconchego Carioca), o Pedro (de Artagão, do Irajá), a Osteria (Dell’Angolo). Achei a avaliação deles completamente equivocada.”
Blitze nos restaurantes
“Eles estão completamente despreparados para fazer as vistorias. Outro dia, um cozinheiro estava picando cebola e fui multado porque o pote onde ele estava colocando o ingrediente não estava etiquetado. Aquilo estava sendo manipulado, iria direto para o fogão, como pode? Fora o sensacionalismo. Eles escolhem os restaurantes mais famosos e já chegam com a câmera na mão para divulgar depois nos jornais. Quero ver ir ao boteco da esquina.”
Prejuízos
“Quando fechei o 66 Bistrô na Barra, eu perdi muita grana, quase tudo o  que eu tinha. Mas não teve jeito. Já tinha chegado àquele ponto de colocar música ao vivo, como os concorrentes faziam, e, pior, começamos a trocar azeite por óleo, manteiga por margarina, tudo na tentativa de abaixar os custos. A casa não durou mais do que um ano, mas foi um grande aprendizado. Se acho que não vai dar certo na largada, melhor nem largar.”
Modismos
“Eu fui criado dentro de um modismo que foi a nouvelle cuisine, e acho que qualquer modismo faz nossa profissão evoluir. O problema é que as pessoas aderem a essas novidades para ganhar dinheiro. Acontece justamente o contrário. Elas só vão perder dinheiro enquanto o intuito principal for esse.”
Profissão
“A maior dificuldade dos restaurantes hoje é manter a regularidade, seja no serviço, seja na cozinha. Isso acontece porque é muito complicado encontrar mão de obra preparada para tocar uma casa. As pessoas saem da escola achando que são chefs já e que podem abrir um restaurante com o dinheiro do papai. Cozinheiro é uma profissão, chef é um cargo.”
Criação
“Um prato começa pelo produto, algo que você experimentou em um restaurante, uma feira, uma viagem. É só colocar na boca que a cabeça já começa a funcionar, misturando ingredientes, pensando em possibilidades de preparo. Mas teve muito prato que criei na minha cabeça, e que ficou só lá. Quando coloquei em prática, ficou uma m...”
Televisão
“A partir do momento em que o diretor fala ‘gravando’, as pessoas tendem a assumir outra personalidade. No caso dos programas de culinária, muitas vezes encarando aquele papel do chef durão. Eu não tenho isso, faço justamente o contrário, choro baldes, me emociono mesmo. Talvez seja por isso que estou no ar há dez anos.”
Glamour
“Muitos jovens entram na escola de gastronomia achando que a vida de chef é um programa de TV. Mas para cada episódio daqueles, de vinte minutos, gravamos mais de vinte horas. Numa cozinha de verdade é igual. Você trabalha muitas horas, num calor incessante, com panelas pesadas, fora do horário dos amigos e da namorada. Se não for apaixonado por isso, não dura ali dentro. A seleção é natural.”
Coerência
“O que faz o sucesso de um restaurante é definir bem o conceito. Não tem coisa pior no mundo do que aquela churrascaria que serve sushi. Quando você foge da sua proposta, só para alcançar mais gente, a probabilidade de dar errado é enorme.”
Administração
“Muita gente abre restaurante achando que é só saber cozinhar. Conhece aquele cara que ganhou dinheiro na bolsa e faz um ótimo filé-mignon para os amigos? Esse é o tipo clássico que vai abrir e fechar rápido. Tem algo fundamental aí no meio: administração. É crucial conseguir comprar o melhor produto, pelo melhor preço, e saber como usá-lo. Costumo dizer que nosso lucro está no lixo. Tudo o que a gente joga fora poderia virar algo para comer e vender.”
Serviço
“Melhorou muito no Rio nos últimos anos. Nunca vai ser um serviço paulista, até porque aquele maître metido a besta e aquele sommelier pretensioso desfilando pelo salão não combinam com a informalidade dos cariocas.“
Preços
“São muito altos no Brasil, sim, ainda mais quando comparamos com os do exterior. Mas esse é um negócio que está bem menos rentável. Se antes o lucro era de 12% a 15%, hoje gira em torno dos 8%. No mês passado, por exemplo, tive casa que deu 4% apenas. Está tudo aumentando, dos insumos à energia. Nunca passei um aperto tão grande nos meus restaurantes.”


Fonte: Veja RIO

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